terça-feira, 22 de maio de 2007

O Senhor das Trevas

Um pensamento me incomodou durante a minha devocional ontem que suscitou em mim o desejo de compartilhar com vocês. Estava lendo a passagem em Genesis 15 onde Deus corta uma aliança com Abraão prometendo-lhe uma terra e um povo tão numeroso quanto as estrelas do céu. Até aí tudo bem... o que me chamou a atenção foi que antes de “cortar” a tal aliança as seguintes palavras aparecem no verso 12:

Ora, ao pôr do sol, caiu um profundo sono sobre Abrão; e eis que lhe sobrevieram grande pavor e densas trevas”.

Mais especificamente a parte que se refere ao grande pavor e as densas trevas. Pensei: Porque é que Deus lança medo e trevas sobre Abraão antes de prometer a ele algo tão importante e glorioso - Jesus (Gal 4:16); aquele que por meio dele Deus faz de todos os povos uma só nação?

Veio a minha mente então outras tantas passagens que parecem ter a mesma temática. Por exemplo: Me lembrei do fato que em Ex 20:21 Moises entra nas “trevas espessas” onde Deus estava para receber dele instruções específicas de culto após ter recebido os 10 mandamentos.

Lembrei-me também das palavras do salmista no Salmo 97 que dizem: “Nuvens e escuridão estão ao redor dele; justiça e eqüidade são a base do seu trono”. E as do Salmo 18 que dizem: “Fez das trevas o seu retiro secreto”.

Lembrei-me ainda de Genesis 0. Isso mesmo, pois sabemos que antes da obra da criação em Genesis 1 tudo era escuro e sem forma.

Notei então uma patente que se repete na história da redenção. As grandes obras de Deus são antecedidas por pavorosas trevas. Recordemos a obra da cruz no final dos evangelhos. É registrado pelos evangelistas que quando Cristo se encontrava nos seus últimos momentos, na cruz, segurando seu ultimo fôlego de vida para lamentar o seu abandono pelo Pai e bradar Tetelestai, veio sobre a terra, ao meio dia, densas trevas. Não foi um eclipse solar pois durou cerca de 3 horas nem foi expressão alegórica de quem escreveu porque minutos foram contados.

Recordo-me de uma das obras devocionais que mais me comoveu ao le-la. Em “A Noite Escura da Alma” o monge espanhol conhecido como João da Cruz nos ensina que Deus as vezes, propositalmente, se retira do contato com seus filhos, causando-lhes uma escuridão profunda na alma. Ele faz isso não porque é ausente, mas justamente porque é presente e quer aprimorar ainda mais nossa comunhão com Ele.

As obras de Deus precisam ser contrastadas de forma violenta com o que mais nos apavora, a escuridão, onde todas as coisas se desintegram. Essa é nossa primeira lição. Que precisamos visualizar o esplendor dos seus atos de graças e para isso nada melhor do que trevas.

Além disso, trevas transmitem obscurantismo. É o que Lutero chamava do Deus abscontitus que se torna o Deus revelatus. Em outras palavras: Ele se revela porque é misterioso e o seu ser, seus planos e seus decretos pertencem única e exclusivamente a sí mesmo. Na linguagem de Paulo, na sua mente ninguém pode entrar. Essa é nossa segunda lição que apesar de não entendermos o que ele faz nas circunstancias que vivemos, sabemos que ele é misterioso, não totalmente claro mas com certeza seguro.

E último, notamos que ele habita nas trevas apesar de ser luz. Muito ironico isso!!! E essa é nossa última lição. Que mesmo que nós passemos por trevas não significa que Deus não esteja lá. Só por que o quarto está escuro não significa que ele esteja vazio. O cosmos era escuro, mas ele sempre esteve lá, ao dar a sua lei para iluminar os nossos passos ele estava em trevas e ao morrer para nos transportar para o reino da luz, densas trevas vieram existencialmente e fisicamente sobre ele.

É bom sabermos dessas coisas pois, biblicamente falando a escuridão na vida e na alma pode ser algo aterrorizante mas, também é sinal de que o Senhor das Trevas ainda tem algo para fazer.

por Felipe Assis

6 comentários:

Robinson disse...

Felipe, essa temática é muito interessante, especialmente quando vista pela ótica do apóstolo João. Lembra que ele fala no prólogo do Evangelho sobre luz resplandecer nas trevas e trevas não prevalecerem sobre luz e depois lá na frente sobre a luz vir ao mundo e os homens amarem mais as trevas do que a luz? Então, a gente percebe, por contraste, que luz precisa de trevas para ser luz! Existencialmente, falando é de momentos de trevas que descobrimos luz, o que aplicado ao evangelho vai na direção das trevas que conduzem ao arrependimento e a posteriori, à luz da fé, exatamente o coração do Evangelho de Jesus Cristo.

Padre Mateus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Padre Mateus disse...

Felipe,
Cristo subiu aos céus e Seu Espírito vem à Igreja!

Visitei o seu blog, como vc me pediu. Aproveito para fazer um breve comentário.
O tema da luz e das "trevas" de Deus é uma das reflexões mais antigas da Igreja e que se faz presente na vida e experiência dos grandes monges e teólogos.
Se vc ainda não leu, recomendo adquirir um livro chamado "Teologia Mística" do Pseudo Dionísio Areopagita ou do Teólogo Russo Vladimir Lossky (com o mesmo título de Teologia Mística).

Parabéns pela iniciativa do Blog em conjunto (blog sinótico?).

Foi bom lhe ver,
Em Cristo

Antonio Matheous (Eça)

denisvan disse...

No início de Genesis ocorre o mesmo:"....e havia escuridão sobre a face do abismo, e o espirito de Deus pairava sobre a face das águas.
Genesis 1:1 (Biblia hebraica).

denisvan disse...

No início de Genesis ocorre o mesmo:"....e havia escuridão sobre a face do abismo, e o espirito de Deus pairava sobre a face das águas.
Genesis 1:1 (Biblia hebraica).

Unknown disse...

Muito bom, eu estava buscando explicação para o discurso que salomão fez após construir o templo, Deus nunca aprovou esse templo,por isso aquela fumaça e trevas dentro do templo, ele não habita em templos feito por humanos, acho que salomao se equivocou pq Deus teria feito a promessa para Davi falando do Messias que viria pós elê e leventania o templo para o espírito Santo de Deus habitar, no caso Jesus lavou com seu sangue e tornou o templo do senhor que somos nós habitável, sabendo que nós como igreja fomos feitos por mãos de Deus